Família, herança e escolhas

Cabe uma escolha, naquilo que foi deixado para nós?

Digo que sim.

Assisti um filme nesse fim de semana que contava o conflito de uma menina chamada Ruby, a única pessoa ouvinte em uma família surda. Apesar de ser um filme que representa muito bem a realidade da comunidade surda, o que me chamou atenção foi um outro pequeno detalhe da história.

Ruby se interessa muito pelo canto e pela música. Curiosamente, algo que os pais não têm acesso. Não tem ideia do que se trata. Ruby compra discos e escolhe investir em aulas de canto, a mãe estranha. Acha inútil, supõe que ela possa fracassar.

Não demora muito pra que isso vire um ponto de tensão na relação entre as duas. Percebendo o grande investimento que a filha fazia nessa direção, do que ela não tinha acesso, a questiona: “Se eu fosse cega, você escolheria pintar?”.

Este é um dos pontos que materializa a separação de Ruby de sua familia. Sua mãe sacou isso, e teme muito por esse feito. “vou perder ela!” “ela vai pro mundo!” “minha bebêzinha…”

Na quietude de um lar onde as palavras não falam, Ruby escuta o som do seu próprio desejo.

Escolhe cantar, mesmo com a resistência extrema da família.

O conflito desse desencontro entre o que Ruby deseja para si, e o que os pais desejam para ela, passa a ficar mais forte.

Nascida do silêncio e marcada pela herança surda, Ruby canta. A necessidade de se diferenciar da família, se fundia com a necessidade de pertencer ao mesmo tempo. Ir para longe e investir na carreira de canto, ou permanecer perto dos pais?

Havia um desejo materno para que Ruby também fosse surda. Havia um desejo para que ela permanecesse ali, junto com eles, no mesmo lugar. Ruby não consegue fugir da responsabilidade de ser aquela que fala e responde pela familia em uma ponte com o mundo que os cercam, mas ela se autoriza a escolher seu caminho individual também e é aprovada para iniciar seus estudos em canto.

O que a gente faz com a herança é o que mais diz de nós. As vezes, o trabalho psicoterapêutico pode auxiliar nesse processo de saber o que fazer diante de um conflito como esse. Cabe a nós uma escolha.

Fica aqui a recomendação do filme. Foi traduzido como “No ritmo do coração” em português. É lindo. Está disponível na plataforma Amazon Prime.